Posted On

26
junho
2019

O segredo como estratégia

JOÃO GUSTAVO MELO

Em uma competição tão acirrada quanto a dos bois Garantido e Caprichoso, um componente invisível e comum às duas associações folclóricas se manifesta muito antes do duelo na arena: o segredo. Levada às últimas consequências, a estratégia de esconder o que for possível antes das apresentações pode fazer toda a diferença na hora do show no Bumbódromo. 

O xadrez jogado no tabuleiro que divide as peças azuis e vermelhas é formado por informações que ficam restritas à alta direção e ao Conselho de Arte, grupo comhecido como “miolo do boi”, que elabora as apresentações serem encenadas. O nível de preocupação é tão grande que, nos gigantescos galpões, os artistas responsáveis pelas alegorias são orientados a não prestar detalhes sobre as alegorias que estão realizando para que o boi contrário não fique sabendo. Por exemplo, se um determinado artista tem excelência no item ritual, o conselho procura manter o mais absoluto sigilo sobre a noite em que será apresentada para anular um possível investimento de um boi em relação àquele item. O clima de segredo acontece até mesmo entre artistas do mesmo estandarte bovino, que só tomam conhecimento da noite de apresentação (se a primeira, segunda ou terceira noite), poucos dias antes do Festival.

Mistério que só começa a ser desvendado quando as alegorias passam a dar cor à praça dos bois, na semana da grande festa. Mas muitos elementos das alegorias, montadas em módulos, permanecem escondidos para confundir o adversário, sendo apenas revelados momentos antes da entrada na arena.

Olho vivo no curral

Noite de ensaio do Boi-bumbá Garantido. No microfone, a voz do locutor anuncia: “É proibido filmar a apresentação desta noite. Pedimos a colaboração de todos para que a gente possa dar a vitória ao nosso boi”. Quase todos obedecem. Menos os que precisam filmar seus respectivos itens individuais para ajustes finais, como cunhã-poranga, porta-estandarte, rainha do folclore e pajé. O motivo da proibição é claro: para que um boi não saiba a ordem de apresentação do outro, evitando que a armação da ordem dos itens seja conhecida antes do tempo.

No curral do Caprichoso, o boi azul, a marcação também é cerrada. Uma das integrantes do boi, Yasmin Amorim, responsável durante o dia pelo almoxarifado, em noite de ensaio técnico estende o expediente e fica no alto do palco com uma caneta a laser. Cada vez que alguém é visto filmando, Yasmin aponta a luz verde sobre o cinegrafista da ocasião, que educadamente é advertido pelas equipes de comunicação e de segurança para que apague imediatamente o registro. Em ambos os bois, os próprios torcedores também ajudam no controle, denunciando os que insistem em não obedecer ao comando da direção do ensaio.

Em uma competição marcada pelo altíssimo nível técnico e artístico, em que o segundo lugar significa o último, cada detalhe faz a diferença. A importância do segredo como peça fundamental na dusputa contribui para aguçar a curiosidade do torcedor e acender a esperança na vitória. Enfim, o mistério que envolve as apresentações faz parte do folclore da ilha e deixa a disputa ainda mais acirrada.

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