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24
junho
2019

O miolo do boi

JOÃO GUSTAVO MELO

Comissão de arte e Conselho de arte. Nomes que designam o maquinário criativo dos bois Garantido e Caprichoso, respectivamente. As engrenagens que giram em torno da apresentação do boi rodam em alta velocidade nas cabeças de um grupo formado por artistas plásticos, antropólogos, dramaturgos, músicos, dançarinos e pensadores que se alimentam durante o ano de lendas, mitos, rituais e referências artísticas para criar temas que toquem a alma tanto do público quanto dos jurados.

O ciclo criativo praticamente não para. Começa logo depois do fim das três noites de espetáculo, quando os cérebros do comando artístico passam a trabalhar no tema a ser desenvolvido no ano seguinte. O roteiro começa a ser pensado e as toadas dos itens estratégicos e as toadas de galera passam a ser compostas. Enquanto os artistas responsáveis pela execução das alegorias estão envolvidos com o fluxo carnavalesco no Rio de Janeiro e em São Paulo, um grupo de desenhistas vai adiantando o trabalho e produzindo ideias para alegorias a partir de textos e pesquisas de imagens sobre determinado assunto que será levado para a arena. Assim que termina o Carnaval, com o retorno dos artistas de ponta aos galpões dos bois, eles passam a gerir a execução de suas respectivas alegorias. A Comissão ou Conselho de arte pede para que cada artista “sonhe” com seu projeto. Daí nascem as formas e soluções inovadoras que serão executadas na arena no mês de junho.

Comissão de Artes e artistas do Garantido empenhados em vencer após dois anos de derrotas no Festival.

No comando da comissão de arte do boi Garantido está Júnior de Souza, que até o ano passado compunha as trincheiras bovinas do Caprichoso. Ele tem ao lado o experiente e reconhecido Fred Góes, um dos nomes mais importantes entre os que elaboram o espetáculo dos bois. A comissão de arte do boi vermelho tem na experiência e na excelência dos seus membros o trunfo de pensar apresentações calcadas nos fundamentos da festa, sem deixar de tocar em temas como intolerância religiosa e  ameaças aos territórios indígenas.

Do lado azul, Ericky Nakanome (foto) é o grande comandante do Conselho, que tem apresentado nos últimos três anos temáticas engajadas e que dialogam com debates contemporâneos da sociedade. Ao lado de outros conselheiros mais antigos, Ericky tem a energia de um curumim criado na escola de Artes Miguel de Pascale, que forma os artistas do boi Caprichoso. A opção por um espetáculo mais politizado – sem perder a sensibiliade jamais – tem dado certo. O Caprichoso tem vencido e convencido nos dois últimos festivais. 

O formato de criação de coletiva, com uma relativa autonomia criativa dada aos artistas, proporciona um formato mais aberto do espetáculo, que muitas vezes tem que adaptar o sonho inicial em razão de um pesadelo recorrente: a falta de recursos e de materiais disponíveis no mercado.

Em resumo, na festa do Boi-bumbá cada um cuida do seu curral, mas lembrando sempre que a vitória será de toda a fazenda. Daí a necessidade de um trabalho coletivo, coeso e marcado pela cooperação. O miolo do boi, é, portanto, uma complexa e criativa fonte de manutenção e renovação na base do espetáculo dos bumbás

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