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28
outubro
2016

Samba-enredo, safra 2017

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoFazer análises – ainda mais por escrito – de uma safra de sambas-enredo é um dos caminhos mais curtos rumo à primeira polêmica do Carnaval, meses antes do reinado oficial de Momo. Ainda mais quando, no geral, ela não é das melhores.

Os motivos são muitos. Mas o principal deles é porque um samba-enredo pode ser poesia pura e mesmo assim a escola terminar a folia patinando para não ser rebaixada; ou, por outro lado, um lixo de samba (sim, existem sambas-lixo) pode acabar sendo o hino que leva uma agremiação ao título e, mais até, a ocupar um lugar na História.

Não sou músico, letrista nem sambista profissional. Mas ainda gosto de me iludir e acreditar que uns 35 anos acompanhando esse troço ajudam a gente a reconhecer algumas coisas já na primeira audição (o que acabei de fazer há cinco minutos). Não custa lembrar o óbvio: um samba-enredo pode ser completamente diferente (para melhor ou para pior) se escutado em sua versão de estúdio, de quadra e de avenida – é o tal “o samba aconteceu” ou “pegou” (ou não).

Dito isso, aqui estão os meus pitacos sobre a safra 2017 dos sambas das escolas do Grupo Especial do Rio. Se eu tivesse que traduzir o que achei de forma muito resumida e até esquemática, seria assim a minha escada, do melhor para o pior, do mais bonito para o menos, do mais criativo e com o melhor casamento letra-melodia para o menos (da esquerda para a direita, de cima para baixo):

Portela – Mangueira

Salgueiro

Ilha – Vila Isabel

Beija-Flor

Tijuca – Imperatriz

São Clemente – Mocidade

Tuiuti

Grande Rio

A Portela e a Mangueira têm os melhores sambas da safra. Com ligeira vantagem para a azul e branca pelo conjunto da obra, do início ao fim (o da verde e rosa, por exemplo, peca um pouco no primeiro refrão, não tão inspirado quanto o resto da letra-melodia). A Portela tem tudo para garantir, nesse quesito, os 40 pontos que vem obtendo desde 2012. A letra é muito boa (“Vem conhecer esse amor / A levar corações através dos carnavais / Vem beber dessa fonte / Onde nascem poemas em mananciais”), a melodia emociona e o andamento tem uma cadência que vou te contar… Só ouvindo, só ouvindo.

Já a Estação Primeira, meu Deus do céu! É de emocionar a mistura que os autores fizeram de uma pegada meio afro com aquela batida da escola no refrão do meio. É o mesmo que junta terreiro de candomblé, Padre Cícero e Iemanjá: “O manto a proteger, Mãezinha a me guiar / Valei-me meu Padim onde quer que eu vá / Levo oferendas a Rainha do Mar / Inaê, Marabô, Janaína”. De quebra, ainda lembra o Império Serrano de grandes carnavais.

Depois, Salgueiro. Não dá para negar que o samba tem “a cara do Salgueiro”. Acho melodicamente confuso no meio, mas passa de ano. E não há dúvida de que vai emplacar com aquele “Gira baiana e faz do céu um terreiro / Tinge essa Avenida de vermelho / É nossa missão, carnavalizar a vida / Vida é feita pra sambar / Dessa paixão que encanta o mundo inteiro / Só entende quem é Salgueiro… Só entende quem é Salgueiro!”. Trata-se de novo chamamento ao salgueirense dentro de uma releitura do velho mantra da escola – “Nem melhor nem pior, apenas diferente”.

Em seguida, a Ilha. Que pancada. Que surpresa boa. Confesso que me pegou de jeito a africanidade que impregna melodia e letra. Gosto quando a gente tem que aprender as palavras, quando precisa estar com o dicionário afro do Nei Lopes nas mãos. Ou seja: nada de rimar amor com dor. Em tempos de (falsa) simplificação tecnológica da vida, é muito bonito ouvir a Ilha cantar “Nzara Ndembu em poesia / Pra dar sentido à vida, transformar / Numa Odisseia rasga o céu, alcança a Terra / Sagrada é a raiz Nzumbarandá / Katendê, segredos preserva / E avermelhou, Kiamboté nos fez caminhar / Na luta entre o bem e o mal, forjou Kiuá (…)”. Mesmo com o refrão principal tendo melodia difícil (embora original), é beleza pura.

A Vila fica logo ali. Um samba melodioso e um refrão com o jeitão da escola na última década (“Ôô, Kizomba é a Vila / Firma o batuque no Som da Cor / Valeu Zumbi, a lua no céu / É a mesma de Luanda e da Vila Isabel!”). Só acho que da metade para o fim o samba perde um pouco a identidade, tem uma mudança brusca na melodia (ouçam, posso estar enganado).

Já a Beija-Flor traz um dos seus piores sambas dos últimos anos: confuso, perdido na linha melódica e com uma letra pouquíssimo inspirada. Nem o refrão inicial tem aquela chegada característica da escola.

O mesmo vale para Imperatriz e Tijuca. O samba da escola de Ramos é até melodioso, mas lhe falta uma certa “pegada” (difícil explicar). Já a Tijuca escolheu, sem dúvida alguma, o seu pior samba desde o fim dos anos 1990. Para dizer duas coisas: o refrão principal é óbvio e parecido com o de outros anos; e a letra como um todo é “preguiçosa”, como no refrão do meio, que parece um “pagodinho” de qualidade duvidosa: “Chega, my brother… vem ver / A batucada é de enlouquecer / Pura Cadência de bambas juntou guitarra e pandeiro / Tá aí um soul de um jeito brasileiro”… Que tal?

No mais, daqui para baixo, com todo o respeito, vem… o resto. O samba da São Clemente não deixa marca nenhuma na gente – e nem a irreverência de outros carnavais dá o ar da graça. Na Mocidade, não deu samba, do ponto de vista sonoro-musical, a mistura de Sherazade, Marrocos e Vila Vintém.

A Tuiuti, que já teve sambas bons nos grupos pelos quais passou em anos anteriores, vem com um samba pobre, fraco. Decepcionante.

Por fim, Grande Rio. Com um enredo que, culturalmente falando, mais atrapalha do que ajuda (contar na Avenida a história da cantora Ivete Sangalo é dose…), a escola elegeu um samba-enredo muito, mas muito ruim. É fraquíssimo em letra, melodia e no que mais vocês quiserem. É claro que, por outro lado, na festa feita para turistas e para a tevê, o “fator Ivete” pode colocar a Sapucaí pra pular e cantar.

E daí? Vocês eu não sei, mas eu prefiro não acreditar em – e não perder tempo com – um samba (sic) que diz: “Cantei a noite buscando o que eu queria / Alegria! Alegria! / Guitarra, frevo, tambores que têm magia / Ê, Bahia! Ê Bahia!”.

 

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