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07
julho
2016

Enredo do meu samba

Alô, Setor 1! Deixa eu me apresentar a vocês. Tenho 41 anos e sou jornalista há 20. Mas isso não quer dizer absolutamente nada. O enredo do meu samba aqui é outro. Então, vamos começar de novo.

A primeira vez em que pisei na Marquês de Sapucaí foi em 1987. A Mangueira tinha sido bi, com Carlos Drummond de Andrade. No sábado das campeãs, o desfile mais leve e ainda sem as barreiras de agora, fomos, meu irmão e eu, acompanhando a mãe. Ela havia sido campeã desfilando pela sua verde e rosa e revivia tudo naquela manhã.

Andávamos pela beirinha da pista, do lado das arquibancadas. Para mim, foi amor à segunda vista. Isso porque desde muito antes eu já era apaixonado por aquela avenida colorida. Vêm da virada dos anos 70 para os 80 as minhas reminiscências mais antigas. Acompanhava pela tevê, na cidade onde vivia então, longe do Rio, julgando as escolas e comendo as delícias da minha avó, madrugada adentro.

Já a primeira vez em que estive numa roda de samba de verdade foi ali na primeira metade dos anos 90. Só que, nos meus sonhos e no meu coração, havia ido a muitas delas, viajando com os discos da Beth Carvalho a partir de 1978, que sabia de cor, e ouvindo pela mãe as músicas e as histórias de gente como Dona Ivone Lara, Martinho da Vila, João Nogueira, Fundo de Quintal et cetera e tal.

Daí que é entre essas duas “primeiras vezes”, e depois delas, entre rodas e avenidas, que vai o enredo do meu samba. Na parede da lembrança, ele traz de volta as ondas do mar da Portela de “O mar / Ô, o mar / Por onde andei mareou / Mareou”; faz rodopiarem de novo as baianas da Mocidade de capacete no inesquecível Ziriguidum 2001 (é, 2001 já foi futuro distante…); amplia até hoje no meu peito os ecos do Bumbum Paticumbum do Império de 82; e reacende o palco iluminado de Lamartine, na Imperatriz de 81.

Nessa sinopse do meu samba do crioulo doido, os passados, de longe ou de perto, misturam-se mais ou menos assim, ó: nos graves e agudos de Neguinho, Dominguinhos, Dedé da Portela, Aroldo Melodia e Jamelão – o maior de todos; na inacreditável volta olímpica da Mangueira em 84; no passeio que a mente faz pela cantoria incansável nas antigas rodas do Mercadinho São José até os sambas levados na palma da mão na mesa do Clube Guanabara, em incontáveis noites de quarta-feira…

O hoje e o ontem se enlaçam aqui dentro quando brotam na lembrança os mendigos da Beija Flor em 89 – o Redentor genialmente coberto por João Trinta (e Laíla). Também quando ecoa o grito da Vila de Martinho finalmente campeã na Kizomba de 88. Ou ainda no título do velho Estácio, com a sua desvairada paulicéia, em 92. E, em qualquer tempo, na batida única da Mangueira (digam o que quiserem, mas é única e belíssima) e na grandeza que nunca vão conseguir tirar de Portela, Salgueiro e Império Serrano, as outras três entre as quatro grandes.

O danado do Tempo volteia nas ondas dos batuques tão diferentes que ouvi na Pedra do Sal e no Cacique de Ramos. E nos acordes que sigo ouvindo, de perto, nas mesas do Samba da Ouvidor e do Samba do Trabalhador, duas rodas de samba que vi nascer.

Então, gente boa, é isso. É mais ou menos por aí que a prosa aqui vai caminhar. O samba sem nichos nem preconceitos de gênero. Nada de purismos que não sejam aqueles que devemos manter para preservar o samba de verdade.

O nosso negócio é manter, alta e bela, a bandeira do samba, que desde sempre tremula e torna melhor a vida da gente. Sejam bem-vindos. A casa é de vocês e a festa é nossa.

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