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08
dezembro
2016

A ‘certidão de nascimento’ do samba

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoEm 2016, o samba – gênero musical com origens africanas, mas que nasceu como o conhecemos nas comunidades negras do Brasil – completou cem anos de vida. Diante de tantas celebrações que tenho visto para comemorar esse aniversário, quero homenageá-lo aqui resgatando alguns aspectos históricos do seu registro formal.

Se o samba já existia desde a virada do século XIX para o XX, principalmente em Salvador e no Rio de Janeiro, e era cantado e tocado em reuniões caseiras da população negra e em favelas, becos e bares (antes de a polícia chegar!), ele só ganhou mesmo a sua certidão de nascimento no dia 27 de novembro de 1916. Foi nessa data que a Biblioteca Nacional registrou “Pelo Telephone” (na época escrito assim, com “ph”), samba composto por Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga.

As formalidades em si foram rápidas. De acordo com a ótima exposição virtual “em cartaz” no site da Biblioteca Nacional, em 6 de novembro daquele ano, Donga entregou uma petição de registro no Departamento de Direitos Autorais da instituição, no Centro do Rio. Dez dias depois, anexou a ela um atestado afirmando que a música havia sido executada pela primeira vez em 25 de outubro daquele mesmo ano, no Cine-Teatro Velho.

Pronto. Assim obteve o registro. E que certidão de nascimento teve o samba, meus amigos! O documento (reproduzido em parte aqui) é simplesmente uma partitura de “Pelo Telefone” manuscrita para piano por Alfredo da Rocha Vianna Filho, mais conhecido como Pixinguinha… Depois de gravado, fez grande sucesso no Carnaval de 1917 e o resto é História.

Naquele tempo, no alvorecer do século XX, havia uma disputa clara entre duas vertentes: o pessoal do entorno do grande músico Sinhô – influenciado pelo maxixe e que tocava samba basicamente ao piano – e os que seguiam Pixinguinha, entre os quais estava Donga. Estes usavam instrumentos de percussão, sopro e corda e tocavam mais o samba dos morros cariocas.

“Pelo Telefone” surgiu na casa de Tia Ciata – cozinheira e mãe de santo baiana moradora da Praça onze e que teve grande participação nas origens e na difusão do “movimento” do samba como um todo. A composição desse “primeiro samba”, na verdade, é fruto de uma criação coletiva feita a partir de improvisações de diferentes músicos, como João da Baiana, Donga, Sinhô e Pixinguinha, entre outros. Mas foi Donga quem teve a iniciativa de registrar a partitura, declarando-se a princípio como único autor (depois ele incluiria Mario de Almeida como parceiro) e causando desentendimentos no meio musical.

De toda forma, aquele registro, aquela certidão de nascimento foi fundamental para “formalizar” o jeito de se fazer samba e para diferenciá-lo de outros gêneros, como o maxixe. Com isso, ele aos poucos ganhou as rádios, o disco, os salões e os ranchos carnavalescos (a origem das nossas escolas de samba), surgindo para o mundo.
Como se sabe, a palavra “samba” vem da expressão africana “semba” (umbigada), que se refere à dança de roda. E aqui entra a raiz revolucionária do samba, quando aproxima o sagrado e o profano: diferentemente de algumas danças de umbigada que tinham um caráter religioso (como o jongo) e eram executadas durante cultos ou celebrações, a roda de samba acontecia depois das manifestações religiosas.

Daí vem o sinônimo de festa, e não de gênero musical, que a palavra “samba” designava em suas origens. Por isso é que se dizia “vou ao samba”, “vai ter um samba amanhã” e por aí afora. Alguma semelhança com os tempos atuais? Pois é, todas…

O samba é festa, reunião, ritmo, música, canto, dança, batuque – e, a partir do que significou o registro, feito por Donga, de “Pelo Telefone”, há cem anos passou a ser também (oficialmente) um gênero musical. Mais do que isso: de lá para cá, consolidou-se como a principal matriz da música brasileira e o elemento cultural que melhor nos retrata e nos identifica como povo.

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