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08
setembro
2016

Quando falta o samba

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoQuando passo muito tempo ser ir ao samba, qualquer bom samba, um vazio terrível se instala e me pergunto, a toda hora, quando estarei de volta. Agora mesmo, mergulhado em horas e horas de trabalho cuja única razão de ser é a necessidade, não o gosto, ando com essa abstinência a me incomodar dia e noite.

Tenho ouvido falar do samba nas redes antissociais e na tevê, no celular e na vitrola. Mas falta a fonte mais importante, aquela que o peito vive a pedir: a rua ela mesma, o samba in loco, o cara a cara na roda, o astral da batucada que alegra a alma da gente.

Para quem não vive sem o samba, não adianta só ler, ouvir, ter lembranças e conversar sobre ele. Tem ir ao seu encontro, estar com ele sem pressa, dar de cara com o inesperado, com as cores vivas do som de vozes e instrumentos. Mas a gente tem sempre o batente diário, as contas a pagar e um monte de chatice vestida de terno e gravata a nos podar.

Tenho a impressão de que todo boêmio, no fundo, luta contra a boemia que tem dentro de si. No fim das contas, é a velha luta silenciosa da clareza (do dia, da casa, das exigências da vida doméstica) contra a escuridão (da noite, da rua, dos sentidos). Só que, para o boêmio, muitas vezes a clareza, a luz, está é na noite e na liberdade que ela traz, na conversa fiada, no flanar sem eira nem beira por aí.

Esse é o ponto: a falta do samba afeta um lado fundamental da vida de quem não sabe viver longe dele. É que fica anêmico o coração boêmio, a parte da gente que é mais embriagada de vida, sabe como é? O dilema-pai do boêmio (e o sambista, o amante do samba é necessariamente um boêmio) engloba mundos diferentes que na vedade só valem a pena quando transitamos pelos dois: dia e noite, letra e música, realidade e ilusão.

Certa vez, há muitos anos, em grande noite no Carioca da Gema, o imenso Wilson Moreira terminava uma canja inesquecível quando disse assim pro Carlinhos Sete Cordas, esse músico extraordinário, que tocava com ele:

— Ô, Carlinhos, se eu pudesse levar você lá pra casa…

Não pode, Wilson, não pode. Não podemos. É por isso que estamos sempre indo e vindo da calmaria para a boemia e tentando dar um jeito de apagar a luz e sair correndo ao encontro da ilusão, da rua, da noite e do danado do samba.

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