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06
outubro
2016

Jair, Paulinho e as flores

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoLá pelos idos de 1998, numa sexta-feira de samba, um senhor baixinho, de bigode fininho, que tocava cavaquinho com seus companheiros de música, de repente se levantou e começou a sambar. Dançou, assim, miúdo, manso, flutuando pelo pequeno palco daquele sobrado localizado no número 73 da Rua São Cristóvão. Ele já havia tocado e cantado sambas maravilhosos, mas foi nesse bailado que encantou a plateia de vez, despertando aplausos efusivos e emocionados. Estávamos na inesquecível Casa da Mãe Joana, a noite era da Velha Guarda da Portela e o sujeito em questão era Jair do Cavaquinho. Quem viu, nunca mais esquece.

Me lembro sempre dele e fui checar que neste ano, 2016, faz dez da sua morte. Jair foi um dos grandes compositores da Portela, fundador da escola, autor de sambas antológicos, músico de primeira linha – considerado por Jacob do Bandolim, nos anos 50, “o melhor cavaquinho do samba” – e baluarte tão importante quanto Monarco, Argemiro Patrocínio, Casquinha, Waldyr 59 e as pastoras Eunice, Surica e Doca, também presentes naquela noite agora perdida no passado.

Jair do Cavaquinho viverá para sempre na história do samba e no coração do sambista. Viu tudo, viveu tudo. Estava na fundação da Portela (na sua carteirinha estava escrito “sócio nº 1”). Aos 15 anos, já era o cavaco titular da escola na Avenida. Em 58, teve o primeiro samba gravado: nada menos do que “Meu Barracão de Zinco”, por ninguém menos do que Jamelão.

Fez história ao juntar-se a Zé Kéti, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Oscar Bigode e Anescar do Salgueiro no conjunto A Voz do Morro, que mais tarde virou Os Cinco Crioulos (que tempos depois teve Mauro Duarte no lugar de Paulinho). Foi com este grupo, aliás, que ele fez o show Rosa de Ouro, em 1965, um marco na carreira deles todos e da incrível Clementina de Jesus.

Seu Jair frequentou o Zicartola. Foi parceiro e vizinho – não necessariamente nessa ordem – de Nelson Cavaquinho, com quem compôs, por exemplo, “Vou Partir” (Vou partir / Não sei se voltarei / Mas não me queiras mal / Hoje é Carnaval), pequena jóia da música brasileira.

Lembrando de um artista imenso como Jair do Cavaquinho, que morreu pobre e sem o devido reconhecimento (conhecem essa tradição brasileira?), penso em como é importante comemorarmos a vida dos músicos, dos sambistas que tanto amamos. Celebrar mesmo, todos os dias, en-quan-to eles ainda estão entre nós. É como pediram Nelson e Guilherme de Brito: vamos dar-lhes as “flores em vida” (“Por isso é que eu penso assim / Se alguém quiser fazer por mim / que faça agora”), o elogio quando ele ainda pode ser ouvido e saboreado por quem o recebe.

As minhas flores, hoje (e sempre), vão para alguém de que gosto desde criança. Alguém com uma obra irretocável, que faz parte da história e da emoção que permeia a relação do brasileiro com o seu país e a sua arte. Um gênio da raça, atemporal e cada vez melhor: Paulinho da Viola.

Devia haver uma lei que proibisse Paulinho de ficar tanto tempo sem se apresentar. Porque os sambas dele e tudo o que os envolve – lirismo, beleza, cadência, elegância… – são daquelas coisas que a gente precisa para se sentir melhor em relação ao mundo, ao tempo, à vida.

***

A propósito: Paulinho da Viola é o convidado especial de Monarco e Gabriel Cavalcanti (com o Samba da Ouvidor) no próximo dia 27 de outubro, no Circo Voador, para uma roda de samba que tem tudo para ser apenas histórica. Corra e compre logo as suas flores!

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