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04
agosto
2016

De Carnaval e utopias

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoNa véspera de mais uma edição dos Jogos Olímpicos, a grande festa do esporte no planeta que desta vez desembarca por aqui, quero falar sobre o nosso Carnaval, a maior festa do Brasil e uma das maiores do mundo – e que cada vez mais se afasta das suas origens. Refiro-me, mais precisamente, ao desfile das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro.

Guardadas todas as devidas proporções, ambos têm semelhanças quanto à “evolução” pela qual foram passando ao longo do tempo quando falamos de aspectos como investimento, estrutura, tecnologia. Tudo cada vez maior, mais caro, mais excludente. Com a diferença de que, nas Olimpíadas, não adianta pirotecnia, rios de dinheiro e nem pertencer a uma patota de manda-chuvas para ganhar ou para “não cair”. O que vale é o esporte em estado bruto, o desempenho, são as raízes que vêm lá dos primórdios. Já no Carnaval…

Trocando em miúdos – e uso aqui da liberdade que é fundadora desta grande casa, a Rádio Arquibancada –, é o seguinte: não dá mais para aceitar que o desfile das nossas escolas tenha donos nem fórmulas que privilegiem cada vez mais o poder econômico. Carnavalescos hollywoodianos, verticalização exagerada, “artistas” que nada sabem do samba, gente fazendo fraquíssimos enredos pagos, a burrice da televisão acrítica, tudo isso tem que estar a reboque das raízes dessa festa que há muito foi roubada dos seus verdadeiros criadores.

Quem ama o Carnaval tem a obrigação de combater sem descanso, e sem fazer concessões, tudo o que não tenha, na essência, os seus elementos fundadores como bateria, samba-enredo, canto, dança, e a criatividade que o dinheiro não compra. São inúmeras questões gritando por aí, mas que muita gente – principalmente a grande imprensa, que apenas suga o espetáculo – finge não ver nem ouvir.

Alguns exemplos ao acaso: quem determinou que “o moderno” é o gigantismo de alegorias (muitas vezes vazias de conteúdo)? Por que as baianas parecem marchar e só podem rodopiar nos refrões, quem foi o gênio que determinou essa bobagem? Por que a Grande Rio, aconteça o que acontecer (e o que já aconteceu não foi pouco…), permanece no Grupo Especial mesmo quando o que mostra não passa de mediocridade? Por que a escolha dos julgadores cabe apenas a uma pessoa, o presidente da Liesa? O espetáculo que queremos é esse mesmo que aí está, cheio de donos?

Recuso-me a entender e a aceitar um Carnaval se ele não tiver, na sua base, a espontaneidade, a brincadeira, a emoção – “invenção do Diabo que Deus abençoou”, como cantou Caetano Veloso. Ou dito de outra forma, se ele não for a manifestação do que ainda há de dionisíaco no ser humano.

No que diz respeito às escolas de samba, em linhas gerais – com exceções que a cada ano apenas confirmam a regra – ele, o Carnaval, não tem seguido esse enredo. Pelo contrário, tem sido muitas vezes um espetáculo burocratizado, cartesiano, cheio de fórmulas pré-fabricadas.

Incomodam-me a desinformação, o comprometimento equivocado (ou mal-intencionado) de muitos, a passividade de grande parte da imprensa. Desconforta-me o conformismo acrítico de vários ditos “especialistas”.

É preciso rever diversos paradigmas que foram sendo impostos nas últimas décadas e mudar, começar de novo. Utopia? Que seja. O Carnaval, como a vida, precisa de utopias.

Aliás, foi de uma linda utopia que Antônio Candeia Filho reuniu forças e parceiros para criar a Quilombo e materializar a resistência sobre a qual há anos teorizava. E o que foi a Quilombo? Nada. Ou tudo. Só depende do lado do qual você (ainda) queira estar.

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