Posted On

11
agosto
2016

As sublimes estrelas da Portela

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoOutro dia revi “O Mistério do Samba”, filme de Carolina Jabor e Lula Buarque sobre a Velha Guarda da Portela. Oito anos depois de lançado, o encanto que ele me causou no cinema continua intacto. Além de indispensável documento histórico para a cultura brasileira, é lufada de ar puro no coração de quem ama o samba de verdade. Trata-se de um sopro de esperança nesses tempos dominados por tecnologias e virtualidades tão vazias de sentimento.

Ao assistir a essa singela declaração de amor a artistas tão grandes e tão especiais, a gente quer voltar no tempo para poder ter convivido desde sempre com eles. A gente tem vontade de agradecer, inclusive aos que já se foram, por eles existirem e, com a sua música, tornarem a vida da gente muito melhor.

Um dos grandes méritos do filme é ser de certa forma “invisível” como linguagem cinematográfica. Ou seja, ele deixa a Velha Guarda e suas histórias irem se contando e se completando.

Uma delicadeza aguda transborda de cada imagem, de cada fala. É assim, por exemplo, na cena antológica em que Monarco redescobre trechos de um samba esquecido de Manacéa, ainda não gravado na época em que o filme foi feito. Ou quando Jair do Cavaquinho conta como fez o clássico “Meu Barracão de Zinco”.

Mas não se enganem. “O Mistério do Samba” não desvenda o mistério do samba. Ainda bem.

O que ele faz é instigar na gente, o tempo todo, uma pergunta: “Como pode?”. Como é possível haver letras e músicas tão ricas, ao mesmo tempo tão simples e tão profundas? De onde vem aquilo tudo?

Os dez anos de filmagens e de convivência com os integrantes da Velha Guarda ajudaram os cineastas a captar e a transmitir com a intensidade e a ternura necessárias os muitos mistérios daqueles sambas, nascidos – como seus autores e cantores – nos subúrbios e na pobreza tão carioca e tão brasileira. As estrelas da Portela estão à vontade em seus quartos humildes, quintais, botequins, calçando seus chinelos e sapatos surrados, bebendo suas cervejas, fazendo suas comidas com amor e zelo.

A partir das suas janelas que dão para ruas e tardes do subúrbio há tanto tempo maltratado, lá estão eles: Jair do Cavaquinho, Argemiro Patrocínio, Monarco, Casquinha, Cabelinho, Surica, Doca, Eunice, Áurea Maria – e, em espírito, Manacéa, Aniceto, Mijinha, Alberto Lonato, Candeia e Paulo da Portela, entre tantos outros. Foram salvos pelo samba. E é pelo samba que há décadas aqueles ex-operários, contínuos, feirantes, marceneiros e cozinheiras nos resgatam das pequenezas do nosso dia a dia sem arte.

Se você ainda não viu, veja “O Mistério do Samba”. Se já viu, reveja. Você vai perceber que o tempo, com a mesma intensidade com que marca os rostos e as mãos de todos aqueles sambistas, não se cansa de realçar a beleza indizível dos seus sambas, da sua arte.

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