Posted On

31
agosto
2016

O Brasil gosta de samba?

LUIZ ANTÔNIO SIMAS

luiz-antonio-simasTrabalhando por conta própria, na aventura de inventar minha vida fora das formalidades, tenho dado algumas oficinas sobre a história do samba fundamentadas numa impressão que visa produzir um desconforto reflexivo: o processo de transformação do samba carioca – aquele inventado pela turma do Estácio e dinamizado na Mangueira, Oswaldo Cruz, Salgueiro… – em símbolo da identidade nacional brasileira, estruturou-se em cinco bases: expropriação, desafricanização, desmacumbização, domesticação e carnavalização do gênero.

Resumo minhas impressões:

1- No processo de incorporação do samba a uma possível construção identitária feita de cima, tirar o samba das mãos dos pretos que o criaram e amaciá-lo para a indústria fonográfica, atenuando a rítmica macumbada que caracterizava os tambores centro-africanos redefinidos no Brasil, foi estratégia sistemática.

2- Era necessário apagar o fato de que a maior e mais vigorosa invenção cultural da cidade do Rio de Janeiro foi obra de uma turma do Estácio formada por marginais, rufiões, jogadores de ronda, malandros com folha corrida, pequenos trambiqueiros, moços que morreram assassinados, sifilíticos e malucos, batuqueiros das porradas na balança, babalorixás, cambonos, ogãs, trabalhadores informais de viração, etc. A própria docilidade estratégica, afirmativa e protagonista, de Paulo da Portela incomodava este projeto domesticador. Imaginem o que representava a turma do Estácio para o projeto civilizatório de recorte canônico que seduziu, e seduz ainda, segmentos das elites brasileiras?

3- A carnavalização do samba, já domesticado e livre, do ponto de vista da narrativa, do “lado obscuro” dos sambistas, aliou-se a uma suposta alegria brasileira e funcionou nos tempos mais recentes como um elemento estimulador da inclusão pelo consumo de bens ou pelo desejo de consumi-los. A festa do carnaval, mimetizada nos desfiles das “super escolas de samba”, em seu discurso fabular de harmonia e país possível pelo consenso, é aquela que não quer a fresta, propiciadora do inesperado e potencialmente ameaçadora da ordem normativa. Só que, eis o recado dos inquices do Congo e dos ancestrais do batuque, a potência que criou o samba carioca está exatamente neste último aspecto, que muitos dos que se definem como “sambistas” parecem desconsiderar.

Dessas breves reflexões, cabe fazer uma pergunta incomoda: Será que o Brasil gosta mesmo de samba?

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