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10
agosto
2016

O poder da grana

LUIZ ANTONIO SIMAS

luiz-antonio-simasNos debates que se estendem sobre enredos de escolas de samba, financiamentos duvidosos, subvenção pública e similar, há um ponto, dentre tantos, que pode também ser mencionado em tempos de crise: as agremiações do grupo especial mergulharam no poço sem fundo de um carnaval caríssimo, desnecessário, espetaculoso, em que uma fantasia de casal de mestre sala e porta-bandeira custa mais que um desfile inteiro de uma escola da Intendente Magalhães.

Um carnaval no Grupo Especial visualmente mais modesto e original é ilusão; ninguém quer embarcar nessa, já que a nova ordem consolidada, sobretudo, a partir da centralidade da figura do carnavalesco, aprofundou a ênfase na parafernália visual e transformou os fundamentos de uma agremiação em elementos secundários de um desfile. Todos nós somos também um pouco responsáveis pela exacerbação dos delírios visuais que, em última análise, trucidaram os quesitos de chão e transformaram sambistas em dublês a serviço do tal de maior espetáculo da terra.

Pagam-se fortunas a coreógrafos, acrobatas, técnicos em efeitos especiais, maquiadores, iluminadores, homens voadores, astronautas, ilusionistas, atrizes, atores, rainhas de qualquer coisa e similares. O padrão show de cassino em Las Vegas tomou conta do babado no século XXI e a glamourização da frase de efeito “pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”, nos levou a essa encruzilhada.
A primazia do visual me parece um processo sem volta. Cabe, todavia, lembrar que samba-enredo de qualidade é luxo, passista dizendo no pé é luxo, casal de dançando para valer – para a avenida inteira, e não apenas para os jurados – é luxo, setor um vibrando é luxo, bateria é luxo, Velha Guarda é luxo.

A grana tomou conta definitivamente até das disputas de samba-enredo, em um processo que fugiu completamente ao controle dos próprios envolvidos, que criaram e alimentaram o monstro e agora não sabem como escapar dele. Em um tempo em que é mole encontrar uns sambas assinados por doze pessoas (e se bobear nenhuma delas fez de fato qualquer coisa na obra), com investimentos que só fazem intimidar compositores que não têm estruturas de financiamento ou esquema de lavagem do tutu, as alas de compositores também foram pra cucuia. Elas, que durante muito tempo representavam o setor mais crítico e pensante das agremiações, hoje estão praticamente extintas e só sobrevivem como simulacro.

Enquanto um desfile de escola de samba continuar movimentando essa quantidade de grana, as agremiações estarão à mercê de vários tentáculos de atividades ilícitas. Não vejo como reverter esse quadro, encontrando ao menos um equilíbrio entre os quesitos de fundamento e o visual, por uma razão simples: as próprias escolas de samba – que hoje são apenas, em sua maioria, simulacros de instituições comunitárias – não querem que isso ocorra. E tome de visual fabuloso, tome de deslumbramento, tome de desfile ostentação.
Escolas de samba precisam ser pensadas não apenas a partir de pressupostos econômicos ou como protagonistas de um evento/show visual com finalidades turísticas, como normalmente ocorre. Escolas de samba precisam ser pensadas e problematizadas no campo da cultura.

O samba (mais do que ritmo ou coreografia, o samba é um complexo cultural que engloba saberes, visões de mundo, projeções de anseios e elementos intangíveis de noção de pertencimento e ancestralidade, no limiar entre o sagrado e o profano, que flerta constantemente com o seu tempo), está fora dessa. O futuro do samba passa talvez por sua descarnavalização. O futuro das escolas de samba eu, sinceramente, não sei por onde passa. Só sei que, pelo andar da carroça, vai custar caro e não vai comover quase ninguém.

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