Posted On

06
julho
2016

Escolas de samba em cidades-empresa

Cidades são territórios em disputa, e sobre isso já escrevi algumas vezes. Não tenho dúvidas de que, nesta disputa, tem prevalecido no Rio de Janeiro a lógica de se conceber a cidade como uma empresa, conforme percebeu o professor Carlos Vainer, do IPUR.

A cidade-empresa, grosso modo, é aquela preparada para gerar lucro e prioritariamente pensada do ponto de vista urbano para facilitar a circulação de mercadorias. Ela disputa, com outras cidades com o mesmo perfil, investimentos de grandes corporações, turistas e eventos. A Copa de Mundo e as Olimpíadas consagraram esse modelo no Rio de Janeiro, a partir da união entre poder público, velhos grupos oligárquicos, grandes escritórios de advocacia, restos do capital industrial, setores envolvidos na atividade turística, etc.

A partir desta constatação, chego ao ponto que pretendo abordar: as escolas de samba, ao contrário do que se imagina, tendem a perder a força nessa cidade-empresa. Explico.

Ao contrário do futebol e dos jogos olímpicos, desfiles de escolas de samba têm limitações para se inserir nesta lógica. Fiquemos em um exemplo simples: um turista sempre saberá o que é um gol, mas não saberá o significado da dança da porta-bandeira. Exceções confirmam a regra. Eu poderia listar inúmeros exemplos na mesma linha de raciocínio.

Escolas de samba são em suas origens instituições comunitárias de construção, dinamização e redefinição de laços associativos e comunitários. Um desfile de escola de samba tem particularidades incompreensíveis para aqueles que não têm qualquer laço, por menor que seja, de pertencimento com essas vivencias e seus rituais.

As escolas de samba, neste sentido, se encontram em uma encruzilhada. Se querem se legitimar como protagonistas de um evento prioritariamente turístico, precisam se tornar compreensíveis para turistas (e aí se justifica colocar um show de acrobatas de Las Vegas numa comissão de frente, incendiar a saia da porta-bandeira, lançar um astronauta pelo sambódromo, etc.).

Se o princípio for este, a tendência dos fundamentos que forjaram a aventura civilizatória das agremiações é desaparecer ou, pelo menos, perder o protagonismo; como vem acontecendo e não é de hoje.

Se pretendem, todavia, manter os fundamentos que as constituem como protagonistas da construção de laços de sociabilidade, as escolas precisam, sem saudosismo, se voltar mais para aqueles que – alijados do sambódromo pela lógica exorbitante dos preços e pelo conluio entre agências de turismo, ligas, etc. – disputam sofregamente um espaço nas arquibancadas precariamente construídas na armação do canal do Mangue.

A sobrevivência das escolas de samba depende da estruturação de um espetáculo que priorize quem ama escola de samba, como espectador e componente. Depende, por exemplo, da abertura das quadras para eventos variados e cotidianos – inclusive de samba – que permitam a formação de público e fortaleçam elos entre os frequentadores e as agremiações. Depende de enredos inteligíveis, criativos, vivenciados por quem desfila.

As escolas de samba precisam refletir, em uma situação de crise evidente, se querem se enquadrar na cultura do evento – típica das cidades-empresas e volúvel – ou se pretendem afirmar a posição de que uma agremiação na avenida é um evento da cultura; vivenciado cotidianamente, ancorado no diálogo vivo com a tradição e projetado dinamicamente para tantos futuros.

É com essa pegada, discutindo e levantando questões sobre a nossa cachaça, que peço licença e considero aberto esse terreiro virtual. Saravá nossa banda!

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