Confira a sinopse do Salgueiro

O GRES Acadêmicos do Salgueiro divulgou, através de suas redes sociais, o enredo com o qual entrará na disputa pelo seu décimo título no Grupo Especial. No ano em que completa 70 anos, a vermelha e branca, que terá Edson Pereira assinando seu primeiro enredo na escola, apresenta “Delírios de um Paraíso Tropical” como tema para o carnaval 2023.

Inspirado em João 30, Edson lançará luz a uma reflexão sobre a questão do certo e do errado. O que é pecado? Esta linha tênue em um mundo dotado de sentimentos antagônicos permeia os delírios do paraíso salgueirense conforme explica o texto que segue:

PRÓLOGO

No princípio era o verbo. E os verbos e as gírias estavam com o povo,
eram o povo, que descia o morro para transformar a rua em palco. Artistas de
uma opulenta ópera popular chamada escola de samba, regida por um
maestro/profeta que banhou de luxo a miséria e escancarou aflições
escondidas em folhas de jornal.

Pelas mãos do profeta João esfarrapados ganharam ar de nobreza e
protagonismo. Suas visões misturaram paraísos e infernos. Opostos que se
atraem e se reinventam.

O evangelho segundo o João do povo teve suas primeiras páginas
escritas na Academia do Samba e pregou que a regra é ousar. Seus delírios
etéreos gozavam de intensa liberdade, não cabendo em si ou em julgamentos
outros. Sem proibição ou pecado — abolir o não, purgar os preconceitos. A arte
é para fazer sonhar, riqueza que não cabe em uma caixa ou que possa estar
encarcerada nos porões de mentes tacanhas.

As epístolas deixadas ainda conduzem o reino do carnaval. Quem
aprendeu em suas escrituras sabe bem que a alforria é soberana e que o
encantamento e as inquietações provocadas pela criação e manifestação
artística são elementos fundamentais de sanidade, capazes de provar que a
fantasia é uma grande realidade.

João 30:90

DELÍRIOS DE UM PARAÍSO VERMELHO

O misterioso pórtico ergue-se da página em branco do universo. Por
detrás de suas portas maciças, cuidadosamente entalhadas por nobre criador,
a mais sublime obra de arte: as faces de um novo mundo. Superfície coberta
por jardins que atravessam o horizonte, contorno sem fim. Paraíso protegido,
íntegro. Em uma exuberância desmedida brotam árvores, folhas e flores de
suntuoso encantamento. Os frutos ostentam tenra suculência, despertam
apetite inesgotável. Até onde os olhos alcançam tudo é deslumbrante.
Frondosa e exótica, a natureza se impõe guardiã da sabedoria. O paraíso, ao
contrário do que relatam os livros, se expande em tons de vermelho, em ricas
cores vivas, fortes e sedutoras, que tingem a terra e o céu.

Entre barro e costela levantam-se as primeiras criaturas. Imagem e
semelhança divina, testemunhas únicas a experienciar a excelência do Éden,
os mistérios guardados no paraíso original. Adão e Eva, nativos afortunados,
são retrato do bom selvagem, carregam em si a pureza em estado bruto, a
inocência cercada de curiosidade. Cada descoberta é magnífica: tudo é
estranho e familiar. No paraíso, o real e o fantástico se frequentam, o vento
fresco tem perfume de liberdade. Os corpos dançam fluidos, percorrem o
ambiente livres para as ilusões.

Vagueiam pelos campos sem contar que em sua sombra espia-lhes a
ira. Furtiva criatura a invadir sorrateira a calmaria do Éden. Dissimulada aos
olhos e nas palavras, transfigura verdades e mentiras, destila veneno poderoso
e ludibria talentosa a pureza nativa. Sedutora serpente de língua afiada, faz
florescer na mínima censura a mais tenra tentação. De tantas árvores e tantos
frutos, somente aquela, proibida, há de revelar os segredos da vida, de
preencher a ignorância com sabedoria.

No afã por intensidade, em uma mordida, o vermelho perde a cor, a
exuberância míngua. No perigo maior do paraíso, a perda. Fruto da
desobediência, agora pecado original. O pórtico se fecha e o Éden esvanece.
Paraíso perdido, herança primeira da humanidade, expatriada da perfeição por
ser facilmente corrompida.

O ser humano é filho da queda, desorientado pela condenação aos
limites mundanos. Aqui na Terra, jardim dos exilados, o inferno são os outros.
A cada juízo, uma condenação. Tudo é perversão e pecado. Tudo é proibido.
Grandes olhos vigiam a vida dos outros e sentenciam à margem quem desafia
os “costumes”: exclusão, apagamento. A obediência anda incorporada na
culpa.

Quem há de ter pecado maior?

Uma luta de vaidades se manifesta e entre a inveja e a ira os homens se
afrontam. Onde antes dava valor, hoje boto preço. Vendo barato minha
dignidade, pois meu paraíso são meus bens. Notícias de tempos corrompidos,
dos prazeres da carne, da gula devastadora e da preguiça moral. Relatos de
períodos obscuros e frios.

A esperança renasce na fé, na ponta da espada, duelo do bem contra o
mal. Na luta diária contra as cabeças de um dragão insaciável pelo sofrimento.
Com a batalha armada, põe-se entre nós a cavalgada do fim dos
tempos. É ensurdecedor o som do galope austero dos cavaleiros do apocalipse
se misturando nas ruas, despertando dores e espalhando terror. Vendem a paz
que não queremos, propagam o conflito. Devastam, destroem, espalham a
escassez e a fome. E nessa irradiação do caos, a morte é a verdade
anunciada.

A velha barca para o inferno tem uma nova diretriz: a redenção vem para
os renegados. Os crucificados, os doloridos: uma multidão marginalizada aos
olhos dos homens. Seus demônios caíram por terra.

Louvados sejam os excluídos!

Louvados sejam os rejeitados!

A compaixão lhes aguarda no novo Éden. Reluz em tons fortes de
vermelho, renasce de amores e sonhos. Portas abertas a quem tem fome e
sede de infinito. Entrem e sejam tomados pelo êxtase de um paraíso em festa,
efusivo como uma interminável noite de carnaval. Lugar de desejos e das
individualidades. Caldeirão de diversidade. Paraíso dos devaneios, da
liberdade democrática das ruas, da comunhão entre todos, onde a fantasia se
mistura com a realidade. O que era aparente ilusão hoje alimenta os olhos,
preenche do corpo à alma: a fartura, a união, o respeito. Ouse imaginar um
paraíso “carnevale”, salgueirense, em que a celebração é a fonte da vida
eterna. No lugar das trombetas, tambores da Furiosa dão as boas vindas e
pedem passagem para toda a gente.

Ainda que a mesma história fosse contada setenta vezes ou ilustrada
por trinta mãos talentosas, seria difícil fantasiar esse lugar de reencontro com a
liberdade, onde o pecado não mora mais ao lado, pois o sagrado e o profano
se misturam, são tão mundanos quanto divinos, fontes de um mesmo criador.
Apenas abra os olhos e flutue pelos encantos e delírios do novo paraíso
vermelho, pulsante como a Academia do Samba, viva de desejos e prazeres.

Autoria do Enredo: Edson Pereira
Pesquisa e Desenvolvimento: Edson Pereira, Ruan Rocha, Lucas Abelha,
Victor Brito e Departamento Cultural.
Roteiro: Edson Pereira e Ruan Rocha

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