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09
novembro
2016

O retorno dos sambas de enredo

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LUIZ ANTONIO SIMAS

Sempre que posso, ressalto que a estrutura das escolas de samba não é original. As agremiações bebem na fonte dos ranchos (com a estrutura dramática dos enredos) e grandes sociedades (com seus desfiles visualmente impactantes, bordados por fantasias temáticas e grandes alegorias).

As escolas trouxeram três novidades básicas a esta estrutura: a dança espontânea do passista substituiu a coreografia rígida dos ranchos, o canto das baianas substituiu o canto das pastorinhas e – atentem para o detalhe fundamental – a harmonia e a cadência do samba urbano carioca, aquele codificado pela geração do Estácio, passou a ser a trilha sonora de sustentação do cortejo.

Acho que o pior momento da história das escolas de samba, a meu juízo, se estabeleceu entre o final da década de 1990 e o inicio dos anos 2000. Tivemos ali o apogeu do desvario da ostentação visual e o declínio do samba de enredo e do bailado das passistas (cada vez mais encarados como detalhes secundários; quase irrelevantes diante do grande espetáculo).

Afirmei, naquele momento, que as escolas estavam apenas abrindo mão daquilo que lhes deu originalidade e desfilando como as grandes sociedades de outrora, mais afeitas ao gosto das classes médias urbanas que desconfiavam dos batuques dos pretos. A obra da modernidade é simplesmente a perda da originalidade. As agremiações tentaram ser tão contemporâneas que acabaram regredindo aos cortejos deslumbrantes e musicalmente impotentes do final do século XIX, crentes que estavam abafando.

Eu não vejo sentido na dinheirama que é gasta com coreógrafos, acrobatas, técnicos em efeitos especiais, maquiadores, iluminadores, homens voadores, astronautas, ilusionistas, atrizes, atores, rainhas de qualquer coisa e similares. O padrão show de cassino em Las Vegas tomou conta do babado.

Apesar disso, vejo o atual momento com otimismo, sobretudo por conta de um detalhe: acho que já podemos afirmar que o samba de enredo superou a crise criativa em que esteve mergulhado durante bom tempo. Na média, os sambas que desfilarão em 2017 não ficam a dever a algumas das melhores safras da história do carnaval. Temos, a meu juízo (com duas exceções que confirmam a regra), sambas de qualidade – nivelados por cima – como o Grupo Especial não via faz tempo.

Samba de enredo é obra em progresso. Aos poucos vai sendo depurado, se encaixando com as características da bateria da escola, encontrando a tonalidade certa, se adequando ao interprete, em um jogo de mão dupla. E é um gênero que cobra vivência de quem escuta e analisa. Tem ainda as pequenas mumunhas que só aqueles malucos que escutam tudo e, vou mais longe, têm a pele curtida e os ouvidos preparados pela avenida (sim, pela avenida) podem manjar. Até que o carnaval complete a obra.

Neste ritmo, periga que até chegar o carnaval eu conclua que o melhor samba de 2017 não esteja, neste momento, entre meus favoritos; prova evidente de que o gênero anda – ainda bem – mais vivo que nunca!

Só precisamos repensar as fórmulas de disputa. Mas isso é papo para outro texto.

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