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17
agosto
2016

Vem da lua de Luanda

LUIZ ANTÔNIO SIMAS

luiz-antonio-simasRecentemente tive a alegria de falar para uma turma dos Pimpolhos da Grande Rio, a escola mirim de Caxias, sobre os toques sagrados das macumbas e suas relações com o samba. Uma pergunta boa que a garotada fez foi sobre qual seria o toque sacro afro-brasileiro mais próximo do samba.

Sou daqueles que acham que um dos fundamentos do samba é a capacidade de transitar naquele fabuloso terreno em que o sagrado é profanado e o profano é sacralizado o tempo todo. Neste sentido, para saber do ritmo que embala as escolas de samba, o negócio é beber nas águas das sonoridades dos bantos e entender como certas pitadas iorubás entraram nisso, se amalgamando numa teia de sonoridades arrebatadora.

Como sempre ressalto nas minhas falas e textos, as escolas de samba e terreiros eram, em larga medida, extensões de uma mesma coisa: instituições associativas de invenção, construção, dinamização e manutenção de identidades comunitárias, redefinidas no Brasil como invenções potentes a partir da fragmentação que a diáspora negreira impôs. O tambor é talvez a ponte mais sólida entre o terreiro e a avenida.

Apenas a título de esclarecimento, vale informar que por bantos designamos mais de 300 grupos que habitam regiões da África ao sul do deserto do Saara e ocupam uma extensa região que se estende da Baía de Biafra, no Atlântico, até Melinde, no Índico. Em relação ao Brasil, grande parte dos bantos que aqui chegaram são oriundos da região centro-africana do Congo e de Angola.

Nas casas de rituais do chamado candomblé de Angola (e do vasto complexo de ritos angolo-congoleses que podem ser chamados de muxicongos e se abrasileiraram nessa nossa salada de cultos e sons) o repertório dos atabaques se estrutura em torno, sobretudo, de três ritmos: barravento, cabula e congo. Cada um deles apresenta variações, como é o caso da muzenza em relação ao barravento.

Em comparação aos toques de ketu (o candomblé do culto aos orixás iorubás) os toques de Angola são mais soltos; mais propícios inclusive ao improviso. Inquices e caboclos podem ser evocados por qualquer um dos toques básicos e suas variações. No ketu a ligação dos toques com cada orixá é mais rígida.

Partindo desses princípios, respondi a pergunta que me foi feita pelos pimpolhos ressaltando que o toque de cabula é um dos ritmos ancestrais que estão na base do samba brasileiro, que por sua vez influenciou a maneira como se toca cabula. É só escutar para sentir a mumunha. O profano lambuzado de sacralidades e o sagrado profanado; o samba.

Ao longo dos tempos, o samba foi, em larga medida, desafricanizado e desmacumbado para, já domesticado, ser digerido pela indústria fonográfica e cooptado pelo estado como elemento do processo de construção da identidade nacional pelo consenso apaziguador da mestiçagem cordial. Não há, todavia, quem escute um toque de cabula e não perceba a linha de ancestralidade que vem das terras da lua de Luanda, aquela mesma que iluminou a kizomba da Vila Isabel – que tanto celebrou a presença dos bantos no Brasil – no centenário da abolição da escravatura.

Para conhecer melhor o toque de cabula, assista ao vídeo abaixo:

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