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O vazio
Foto: Ricardo Almeida
FÁBIO FABATO
A quarta-feira é um vazio. Aquela que encerra uma jornada, cala o cortejo, corta as asas da utopia. O carnaval do Rio de Janeiro é um divã para processarmos – e aguentarmos! – os outros 360 dias. Não existe, para mim, felicidade plena na quarta. Nem entre os vencedores da peleja dos grêmios de samba. Ela descortina a necessidade de vida real. E esta, a vida real, é tudo do que desejamos fugir – sobretudo, no atual contexto, deveras “endireitado” e duro. Sim, eu sei, as Cinzas são parte do show. Inclusive, entregam o epílogo como forma de valorizar os próximos começos. Ciclo, ora. Tal qual a natureza nos contou, e que nos foi ensinado ali na terceira ou quarta série.
Nascimento e morte.
E ressurgimento.
Mas só me lembro dos choros de uma tia, a Cristina, que morreu de câncer há alguns anos. As Cinzas eram de pranto doloroso, quase em rasgo de dramaturgia mexicana. A cada nota abaixo da máxima obtida pela nossa Mocidade… Desabava em lágrimas de provocar inveja às Cataratas. E toda escola perde bem mais do que ganha, venhamos e convenhamos. Aquela tristeza rasgada de pontos que escorriam me impressionava, quando pequeno. Por que chorar tanto? Qual o sentido?
Bem, o sentido – da vida, no caso – é o de entregar algum sentido (!) à nossa passagem nesta bola azul em balé no firmamento. E o meu foi delineado na emoção com povo, com gente apaixonada por devanear. Carnaval, no duro, é isto. Uma festa que representa sentimento(s) e o tal sentido anteriormente descrito. Fui lá cumprir o democrático destino de crescer e entendi que tinha a missão afetiva de compreender as razões para tanto choro da minha tia.
Achei.
Afinal, quando toca a sirene que tudo anuncia, não dá tempo para mais nada – a não ser embarcar naquilo que não existe depois de quarta.
É sapecar uma beijoca na baiana de idade avançada, e porque não dá para beijar as bochechas de todas.
É ver o pavilhão novinho em folha, borrifador em roda dos signos ancestrais que compõem uma agremiação.
E as alegorias que emanam o odor de tinta fresca, o penacho que contraria a gravidade e, impávido, completa o chapéu, apontando sua seta emplumada na direção do céu.
Quando o cronômetro zera, cumprem as escolas o destino sacrossanto-profano colocado em seus mapas astrais: cruzar o asfalto que não é asfalto e ostentar, espécie de orgulho existencial, o sonho sonhado durante um ano.
A curva que leva do presidente suicida ao marquês que virou folião (mas não dado a baticuns…) esconde mistérios indecifráveis. Uma esquina etérea, o joelho, o desassossego, o começo e, para muitos, a morte súbita. E fim.
Festa que passa em revista os 500 anos e alguns trocados de currículo do menino metido a gigante, a tragédia grega em coro, o contrariar do palco italiano clássico, o catolicismo de gênese luso-processional em mistura com a curimba africano-nossa, lastro rítmico de tudo.
Quando estouraram os fogos, nada mais é importante, a não ser a cultura popular – que fundamenta a razão de ser de uma gente.
Aí, então, surge a quarta-feira, que tudo encerra.
Sempre.
Para, forçosamente, escrever novos começos e, verdade seja dita, valorizar o intervalo anual de magia.
Mas a quarta-feira é, antes de tudo, o que é: um vazio.
Sim, vazio, insisto.
O meu vazio.
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