Paulo Menezes: “O que espero do futuro é a Vila campeã”

ANDERSON BALTAR

O Grupo de Acesso de 2003 marcou o encontro de dois artistas que, a despeito de serem xarás, apresentavam propostas bem diferenciadas de Carnaval. Na União da Ilha, homenageando Maria Clara Machado, Paulo Menezes realizou um dos mais emocionantes desfiles da história da escola, abusando do colorido e do acabamento esmerado. No Paraíso do Tuiuti, Paulo Barros garantia seu passaporte para o Grupo Especial com um impactante e moderno desfile em homenagem a Portinari. Anos depois, os dois dividiram um Carnaval no Renascer de Jacarepaguá e, no ano passado, Paulo Menezes desenhou os figurinos do desfile campeão da Portela, assinado por Barros. Juntos novamente, assinando o Carnaval da Vila Isabel, Paulo Menezes nos dá detalhes sobre o que a azul e branca mostrará na avenida e como foi a junção de estilos dos dois amigos e parceiros.

Você e Paulo Barros vêm trabalhando juntos com frequência nos últimos anos. Para este Carnaval, voltaram a assinar um desfile em conjunto. O que se pode ver de mistura de estilos dos dois?

Não dá pra diferenciar. Não tem isso de isso fui eu quem fiz ou isso foi ele quem fez.

É uma simbiose?

Exato. É uma junção de ideias. As ideias já casam. Não existe essa coisa de um estilo tem que prevalecer sobre o outro, porque na verdade as coisas têm se encaminhado da forma mais espontânea possível.

No ano passado, na Portela, vocês tinham funções mais bem definidas. Você lá era o figurinista. Esse ano, você assina também.

Mas é a mesma coisa. Não mudou nada.

Um palpita, o outro fala…

Não temos melindres. Temos muita liberdade de falar o que pensamos um para o outro. E isso acaba facilitando muito. E outra coisa que facilita muito o nosso trabalho é que não foi ninguém que nos escolheu para trabalharmos juntos. A gente se escolheu. Tudo flui mais rápido porque foi a gente que quis.

É quase como um casamento.

É um casamento. Em todos os casos, é um casamento. Só que, nesse caso, é um casamento com amor.

Qual foi o mote para a concepção do enredo?

Ele é um enredo patrocinado, mas com liberdade total de criação. E, a partir da ideia, a gente começou a trabalhar. A gente escolheu uma linha de condução e começamos a trabalhar.

É um enredo tecnológico.

Na realidade, você não pode falar de futuro sem falar de tecnologia. E o grande mote do enredo são duas perguntas: “o que o futuro nos reserva?” e “para onde nós vamos?”. E nós não podemos responder a essas perguntas sem olhar pra trás. Assim, a gente faz uma viagem e vai mostrando tudo aquilo o que o homem criou, o que foi inventado por ele, que foi mudando a história da humanidade e mudando a história do pensamento do homem. O enredo se desenvolve por aí.

Falamos da descoberta do fogo, de tudo aquilo o que o homem usou para fazer girar o mundo, como o relógio, as engrenagens… Se nós fôssemos nos atentar para as grandes invenções, não caberia tudo no enredo. Nós privilegiamos o que era mais importante dentro da história que construímos. Abordamos também a revolução da escrita, que é quando o homem começa a guardar sua história, quando ela deixa de ser oral. Passamos a falar da fotografia, do rádio, da televisão, do cinema… O homem passa a contar sua história mais somente por escrito, mas também visualmente e oralmente. E com os tempos atuais, em que muda-se a noção de tempo. Tudo é tempo real. Com a internet, não tem mais espaço para nada disso. Lembramos da importância da bússola, que deu um direcionamento maior para o homem e permitiu a navegação, aviação e as viagens espaciais.

O último setor é “o que vai ser o futuro?”. Ou seja, o que nos espera, qual o futuro que nos aguarda. E hoje o homem tem consciência de uma coisa: se ele não preservar o que ele tem, ele não tem futuro. Então, o futuro só vai chegar se preservarmos o planeta em que vivemos. Porque a gente não sabe o que vai acontecer no futuro. A única coisa que esperamos do futuro é que a Vila Isabel feche o desfile no sábado das campeãs.

Por falar nisso, como vocês encararam a ordem de desfile?

Normalmente. Inclusive o Paulo (Barros) já foi campeão nessa posição de desfile. Isso não nos incomodou. Nossa preocupação era apenas não concentrar do lado dos Correios.

Por causa do tamanho dos carros?

Na verdade, por causa das tecnologias usadas. Não daria tempo para montarmos. Passando do viaduto, não daria tempo de montar tudo para entrar na avenida. Eu acho que todo carnavalesco tem essa implicância com o lado do Balança. Eu sei que tem escola que gosta de concentrar ali, mas, pra gente, é complicado. É muito pouco tempo para passar do viaduto e entrar na avenida. O tempo é algo relativo, né? Quando estamos conversando, por exemplo, 30 segundos não são nada. Mas pra gente, na Sapucaí, tem coisa que se não levantar em 30 segundos, não acontece, já era.

E com relação ao patrocínio? A Vila Isabel é a única escola que está trabalhando com patrocínio neste Carnaval. Isso deu a vocês mais agilidade para trabalhar? Ou vocês sofreram também com o corte de verbas?

Nós sempre trabalhamos com tudo planejado, tudo sempre com a máquina de calcular do lado. Hoje em dia, se você não souber usar a máquina de calcular, você não faz Carnaval. Então, se você se programa para um determinado valor e ele não vem, é preciso se adequar. E foi isso o que acabamos fazendo, nos adequando, por conta de uma verba que supostamente viria e acabou não vindo.

A crise motivou que muitas escolas diminuíssem o número de carros e alas. Como é isso para você, como artista? Poderia se diminuir o número de carros e aumentar os tripés, por exemplo? Qual seria o modelo ideal?

Pra mim, o modelo ideal seria liberdade total. Se eu quiser botar 20 alegorias, tudo bem, eu tenho um determinado número de minutos para passar com essas alegorias. Ou então passar sem alegoria nenhuma. É uma questão de resolver como você vai contar a sua história.

Então o regulamento, para você, engessa muito?

Sim, como em qualquer situação. Mas entendo também que é necessário algum parâmetro. Poderia haver soluções mais bacanas. Poderíamos exercitar a nossa criatividade com muito mais garra. Dependeria do critério do carnavalesco. Eu gostaria de ser desafiado desta maneira.

Seria esse um caminho para um momento de crise, como o que estamos passando?

Tudo está nos levando a isso, a repensar de alguma maneira. Mas a gente não decide, né?

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