O samba de Madureira retratado em livro

capalivromadureiraO Rio de Janeiro tem no samba, agora centenário, a sua maior expressão de identidade cultural, e a Grande Madureira é um dos seus espaços de origem, onde surgiram duas das escolas de samba mais tradicionais do carnaval carioca, onde ocorre o Dia Nacional do Samba e projetos como o Trem do Samba e a Feira das Yabás.

O livro Nos quintais do samba da Grande Madureira: memória, história e imagens de ontem e hoje investiga as formas como essa identidade se perpetua na região, a partir de um tema fundamental, os quintais, espaços de sociabilidade, manutenção de memória e afirmação das tradições culturais afro-brasileiras, onde festa, religião, samba e comida se misturam. Os quintais expressam a relação entre os espaços público e privado nas casas dos afrodescendentes que chegavam à cidade.

Publicado como parte da comemoração do centenário do samba, com apoio da Faperj, o livro busca relacionar as tradições com as práticas contemporâneas que ainda se realizam nos quintais, como o samba, a macumba, o candomblé, o jongo e a culinária afro-religiosa. Para isso, reúne artigos sobre temas que se complementam para dar um panorama dessa história e suas expressões contemporâneas. Maurício Barros de Castro faz um relato histórico sobre a conformação social que levou ao desenvolvimento de tais expressões culturais; Maria Alice Rezende Gonçalves apresenta a Feira das Yabás, que acontece todo segundo domingo do mês, comandada por 17 ‘tias cozinheiras’ das famílias mais tradicionais de Oswaldo Cruz, e resgata a culinária negra, unindo gastronomia e música; Ana Paula Alves Ribeiro aborda a transmissão das tradições culturais entre gerações a partir do caso da Escola Mirim Império do Futuro; Gabriel da Silva Vidal Cid discute o patrimônio cultural da região. Em texto de apresentação, a organizadora Myrian Sepúlveda dos Santos reúne ingredientes de todas as narrativas para gerar um plano geral de como as tradições se desdobram pela região e pela cidade a partir dos quintais na Grande Madureira.

O livro traz também uma série de imagens históricas, as quais se pode ver o bairro ainda com aspectos rurais, a chegada do bonde e das vias rodoviárias, os bailes de carnaval, Paulo da Portela, o jongo ainda nos anos 1970 e sua matriarca Vovó Maria Joana. Além disso, um extenso ensaio documental do fotógrafo Edu Monteiro visita a região para registrar de forma artística a rotina em torno das expressões culturais que derivam de seus quintais.

A Grande Madureira é composta por vários bairros importantes na história e consolidação do samba como gênero musical. Entre eles, Oswaldo Cruz, que abriga duas escolas de samba tradicionais do Rio de Janeiro: a Portela e o Império Serrano. A região é marcada pela experiência dos afrodescendentes após o fim da escravidão e pelas tradições de matriz africana, reinventadas num espaço rural que se tornou urbano.

A modificação da região se deu, sobretudo, na segunda metade do século XIX. Ao mesmo tempo que as novas estações de trem iam surgindo, também apareciam novos loteamentos oriundos do desmembramento das grandes fazendas de cana de açúcar solapadas pela crise da economia canavial na cidade. Os migrantes que ocupavam a região eram formados por uma maioria de ex-escravos e seus descendentes, provenientes das fazendas da região do Vale do Paraíba, do interior de Minas Gerais, e de fazendas do interior do próprio Rio de Janeiro. Essa gente, de essência rural, foi ajudando a elaborar uma comunidade marcadamente organizada em torno das festas religiosas, da música e da dança.

Se as escolas de samba, principalmente a Portela, definem a identidade do bairro, os quintais são os lugares onde as práticas rituais que consolidaram as agremiações se desenvolvem até hoje. A ligação entre os quintais e as escolas é evidente. Festa, religião, samba e comida se misturam nos quintais de Oswaldo Cruz desde os tempos antigos do bairro. Tia Surica, pastora da Velha Guarda da Portela, mantém no seu quintal animadas e importantes rodas de samba. Da mesma forma, Tia Doca, outra importante pastora da azul e branco, manteve em seu quintal – até a sua morte, em 2009 – um famoso pagode que acontecia aos domingos e atraía pessoas das diversas áreas da cidade.

Nos quintais das Tias se reafirmavam valores e símbolos da comunidade negra. Estes espaços se constituíram como um laboratório constante para novas experiências estéticas, onde as novidades da cultura urbana eram divulgadas. Foi neste ambiente, marcado pelas festas e pela religião, que uma população afrodescendente encontrou sua identidade cultural, se colocando como ator ativo na definição dos projetos culturais do Rio de Janeiro e do Brasil moderno.

Na Feira das Yabás – “rainhas-mãe” em Iorubá – que acontece todo segundo domingo do mês, comandada por 17 ‘tias cozinheiras’ das famílias mais tradicionais de Oswaldo Cruz, é resgatada a culinária negra, unindo gastronomia e música. A Feira das Yabás é um espaço onde as “tias cozinheiras” se reúnem para vender seus pratos, muitos deles ligados ao universo do samba e da culinária afro-religiosa. É um espaço de diálogo com os quintais do samba, onde é possível ter um contato com as mantenedoras desses lugares que abrigam o sagrado e o profano.

O projeto de produção do livro está integrado ao Museu Afrodigital Rio de Janeiro (http://www.museuafrodigitalrio.org), uma das “estações” que compõe as iniciativas associadas nas universidades do Rio de Janeiro (UERJ, UFRJ, UniRIO), da Bahia (UFBA), do Maranhão (UFMA) e de Pernambuco (UFPE). Estas estações atuam em rede, buscando troca de informação e de soluções que possam ser compartilhadas não apenas pelo projeto como um todo, mas por todos que queiram trabalhar e pesquisar temas como: memória afro-brasileira, museus, patrimônios culturais e cultura digital, produzindo e preservando acervos, realizando cursos presenciais e à distância e gerando conhecimento digital, entre outras atividades.

Sobre os autores

Myrian Sepúlveda dos Santos é socióloga, professora associada do Instituto e Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), coordenadora do Museu Afrodigital Rio de Janeiro (www.museuafrorio.uerj.br) e do grupo de pesquisa Arte, Cultura e Poder.

Maurício Barros de Castro é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Instituto de Artes e do Programa de Pós-graduação em Artes, ambos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Coordenador do Museu Afro Digital Rio de Janeiro (www.museuafrorio.uerj.br).

Maria Alice Rezende Gonçalves é professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura, Comunicação em Periferias Urbanas – FEBF/UERJ.

Ana Paula Alves Ribeiro é antropóloga, professora adjunta da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF) e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas (PPGECC), ambos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Gabriel da Silva Vidal Cid é sociólogo, doutorando em sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Museu Afro Digital Rio de Janeiro (www.museuafrorio.uerj.br).

Edu Monteiro é fotógrafo, artista e pesquisador. Doutorando em Artes pela Universidade do Estado doRio de Janeiro, mestre em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense (2013) e pós-graduado em Fotogra a como Instrumento de Pesquisa nas Ciências Sociais pela Universidade Cândido Mendes (2002).

Nos quintais do samba da Grande Madureira: memória, história e imagens de ontem e hoje Autores: Myrian Sepúlveda dos Santos [org.], Maurício Barros de Castro, Maria Alice Rezende Gonçalves, Ana Paula Alves Ribeiro, Gabriel da Silva Vidal Cid, Edu Monteiro [fotografia].
ISBN: 978-85-62114-66-3
160 p / 17x23cm / capa dura / R$ 80

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