Posted On

13
julho
2016

O Carnaval das celebridades

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LUIZ ANTONIO SIMAS

Sou dos que acham que a critica é mais valiosa e sincera que o elogio desmedido. Sendo assim, continuo afirmando que tem muita coisa errada no mundo mágico do carnaval. A gente fica gritando pela defesa da tradição, sempre dinâmica, jamais estática, enquanto a turma que quer mais é saber de rainha de bateria, musas, periguetes, picaretas, socialites e celebridades de terceira categoria continua forte.

Apesar da crise, faço umas apostas sobre o que vai acontecer na Sapucaí em 2017. Se bobear, o camarote de alguma celebridade fechará parceria com alguma boate especializada em música eletrônica, para animar os convidados nas noites de desfiles. Além disso, as revistas de sempre terão camarotes e em breve começarão a se articular na disputa pelos famosos que estarão em seus espaços. Teremos também shows de funkeiros e pagodeiros em um camarote de supermercado. Isso tudo, é claro, acontecerá durante o desfile das agremiações. A rave em um dos camarotes, coisa que vem acontecendo ao longo dos últimos anos, também dará as caras.

Sim, é isso: nos últimos anos, enquanto as escolas desfilam, rolam raves e shows de música eletrônica dentro da Marquês de Sapucaí. O sujeito que ama carnaval não tem dinheiro para ir ao sambódromo em um setor decente, mas um fã da música tecno, que se lixa para escolas de samba e é incapaz de citar os nomes de cinco agremiações, não perderá a chance de curtir a onda no camarote.

A velha baiana, que não consegue mais desfilar, não assistirá a sua escola na avenida, mas o galã bombadão estará lá, em um espaço privilegiado, preparado para as azarações e ferveções da pista de dança. O fotógrafo da revista não poderá fotografar Seu Djalma Sabiá, já que não pode perder o beijo entre uma atriz do elenco de apoio de Malhação e um jogador de futebol em um camarote de cervejaria.
Em 2016, rolou a polêmica em virtude de a TV Globo ter preferido transmitir a novela e o BBB durante os primeiros desfiles. Não culpo apenas a emissora, já que as próprias escolas de samba embarcam na onda de cultuar essas celebridades midiáticas que as televisões inventam.

O ambiente do carnaval está infestado de gente incapaz de lidar civilizadamente com o contraditório, mas só a mirada crítica pode fortalecer a festa. Os desfiles interessam cada vez menos ao grande público; não enxerga quem não quer. Parte do público do sambódromo não está ali para ver escola de samba, mas para aparecer, fortalecer marcas, divulgar imagem, fazer articulações políticas, conseguir mídia paga ou espontânea, etc.

Enquanto a turma do carnaval continuar batendo palmas para essa papagaiada em que o evento se transformou – e quem vem se desenhando faz tempo – estaremos longe de reinventar as escolas de samba a partir daquilo que elas foram um dia: potentes instituições que, cotidianamente, fortaleciam laços comunitários, e centros de circulação de saberes produzidos dinamicamente pelas populações oriundas da diáspora negra no Brasil, a partir do diálogo constante e fecundo com as circunstâncias e dentro de uma perspectiva de protagonismo.

Os desfiles de escolas de samba perigam virar, se já não são, um evento em que os desfiles serão apenas um detalhe no meio do grande circo desencantado da fama.

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