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17
junho
2016

Componentes da Mocidade lançam manifesto

Movimento sem ambições políticas quer celebrar a identidade da Mocidade

autofagia-independenteComponentes da Mocidade Independente, dentre eles jornalistas e até os seus dois biógrafos, criaram um manifesto em que buscam celebrar a identidade da escola, lamentando aquilo que consideram “a sensível perda da histórica capacidade de criação e recriação” dos últimos carnavais. Vale lembrar que a Mocidade Independente não chega em primeiro lugar desde 1996 (“Criador e Criatura”) e pisou pela última vez o Sábado das Campeãs em 2003 (“Para sempre no seu coração: carnaval da doação”).

No manifesto – cujo título é “Autofagia Independente” – os autores dizem que é preciso que a escola novamente se apaixone pelos seus principais símbolos: temas abstratos e criativos, grandes sambas e a capacidade de ser a grande representação da Zona Oeste do Rio. Daí o nome do movimento, que traz um substantivo feminino relativo ao comportamento da pessoa ou animal que se nutre da própria carne.

“Este NÃO é um movimento político de oposição, registre-se. Estamos sim, a partir dessa data, em estado de permanente arrebatamento passional e reafirmação identitária do G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel. Eis um libelo – construído por assumidos apaixonados –, pelo resgate de alma e da carne de carnaval da instituição sexagenária (…)”, diz a abertura do documento, que tem onze signatários, todos com amplo histórico de militância pela Mocidade.

De acordo com o texto, que também critica diretamente os últimos enredos levados à Avenida, serão organizados eventos festivos e debates para pensar o atual momento. A ideia é abrir uma frente de amplas trocas com os torcedores e também com o comando da escola, e sempre celebrando o passado glorioso e figuras relevantes.

O enredo da Mocidade para 2017 homenageia o Marrocos e tem o título “As mil e uma noites de uma ‘Mocidade’ prá lá de Marrakech”. Na última semana, após inúmeras críticas, a agremiação resolveu modificar a logomarca oficial do tema.

Eis a página do movimento no Facebook: https://www.facebook.com/AutofagiaIndependente

Mocidade Independente de Padre Miguel

MANIFESTO AUTOFAGIA INDEPENDENTE

Diz o dicionário: autofagia é o substantivo feminino relativo ao comportamento da pessoa ou animal que se nutre da própria carne. Numa aproximação cultural, ousamos proclamar que se trata do enamorar por si próprio. Ou seja, querer-se, sentir-se, desejar-se, ressignificar-se, buscar-se, apreciar-se, amar-se, reconhecer-se, tocar-se, estimular-se, devorar-se artisticamente. Este NÃO é um movimento político de oposição, registre-se. Estamos sim, a partir dessa data, em estado de permanente arrebatamento passional e reafirmação identitária do G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel. Eis um libelo – construído por assumidos apaixonados –, pelo resgate de alma e da carne de carnaval da instituição sexagenária que se pautou pela vanguarda desde os batuques seminais ainda no terreiro de Tia Chica.

Ora, há cerca de 15 anos a escola abriu mão de seus signos essenciais e existenciais, de sua vocação representativa e transmissora de legado, e da base sólida sobre a qual foi erguida, em 1955. Nos últimos tempos, foi notada a sensível perda da histórica capacidade de criação e recriação – com o privilégio a modelos estéticos e de gestão exaustiva e equivocadamente copiados, desidratados, ultrapassados. Mas a principal derrota aconteceu em seus domínios: está relacionada à produção e ao disseminar de saberes próprios, além da capacidade de representação. Jamais fomos rebaixados na apuração das Cinzas, mas neste aspecto já estamos no segundo grupo.

Muito além da característica comercial e turística, a folia carioca apresenta formação e função essencialmente culturais. Se existe o atual panorama de destaque econômico e midiático – o que engloba até mesmo a veiculação televisiva para outros países –, foi porque se baseou em referenciais sólidos de crescimento: os rituais, símbolos, ícones, personagens, sinais de identidade e, até mesmo, culinária própria.
Apesar de um grêmio recreativo em seu nome de batismo, a Mocidade também traz grudado o importante ofício de construção da memória coletiva e, principalmente, afetiva para toda uma gente. Não é só festa pela festa. As feijoadas, os encontros na quadra, na rua e a grande reunião anual na Marquês de Sapucaí são espaços para o fervilhar de marcas populares por ela criadas e consolidadas, algo de que a engrenagem comercial contemporânea – por mais que muitos não percebam -, também necessita para sobreviver.

Neste sentido, antes de tudo, a Mocidade é. Ponto. Sem complementos. Uma escola de famílias, como os Trindades e os Oliveiras, que culminou num todo que extravasou fronteiras, mas intuitivamente delineado em constantes trocas no berço. Depois, apenas depois – em segundo plano –, é que desfila. E porque para passar bem na Avenida precisar viver de verdade. Sim, uma apresentação de carnaval é apenas a consequência dessa existência plena. Se invertida a fórmula, a instituição naturalmente desarmoniza-se. Hoje, a escola carece de tal equilíbrio, basta enxergar a falta de público nos ensaios de sábado, a ausência de aderência e encantamento recentes. Há muito os olhos não brilham e os resultados não aparecem, cá pra nós. Impossível negar o óbvio.

Precisamos de enredos de verdade, sinopses de verdade, sambas de verdade, propostas que sinalizem o revigorar do próprio carnaval, festejo pautado pela inquietude das mudanças. Desde o seu começo, a Mocidade brincou de oferecer à festa novos caminhos. Onde estão eles agora? Sua bateria, por exemplo, considerada a mais importante de todas, fruto do trabalho de batuqueiros históricos sob a liderança de Mestre André – o gênio dos gênios – revolucionou o segmento. Tendo impregnado seus instrumentos com as bênçãos do Agueré de Oxossi, padroeiro sincretizado com São Sebastião, promoveu a ilustração rítmica da caça em plena floresta, flechando corações com as paradinhas de outros e eternos carnavais. Como deixar de lado tantas glórias e tal espírito desbravador?

Nunca houve escola mais sensual que a Mocidade Independente. Tropicalista, abstrata, filosófica, barroca, crítica, profana, ficcional, até mesmo metafísica, assumidamente desalinhada com pudores, ordens e supostas verdades vigentes. Enquadrá-la em definição fechada – isto a história registra! –, é um desafio vão. Nada mais controverso, portanto, que ela mesma se acanhe e esteja enclausurada num casulo apartado do natural compromisso com a reinvenção. O estado autofágico aqui expresso visa, portanto, quebrar esta caixa, morder a própria carne, sentir os sabores, odores, olores, com o perfume da saudade que seja motivadora, não paralisante. Para tal, os caminhos serão o da celebração em eventos e o do debate. É na festa que nos reconhecemos e nos igualamos, espécie de democracia à base de surdos, caixas, tamborins – que é para fazer fluir ideias, memórias e, vá lá, o sonho.

A Autofagia Independente convoca TODOS os apaixonados da Mocidade para se juntarem nesta onda de amor declarado pelos símbolos da agremiação pentacampeã por tempo indeterminado – ou melhor, para sempre. Assinem este manifesto conosco!
Queremos ver no céu a estrela brilhar e a sensibilidade daqueles que têm poder para colocar a locomotiva de volta aos trilhos.

Ouçam todos a ressonância do tambor ancestral que clama pelo redescobrimento.
Okê Arô!

*** OBSERVAÇÃO ***
ESTE NÃO É UM MOVIMENTO DE OPOSIÇÃO E OS IDEALIZADORES DO MANIFESTO NÃO TÊM QUALQUER AMBIÇÃO POLÍTICA NA AGREMIAÇÃO.

São autores do texto:

BÁRBARA PEREIRA.
(Mestre e jornalista, frequenta a Mocidade desde os 15 anos, ainda na quadra da Vila Vintém. É também autora do livro “Estrela que me faz sonhar – Histórias da Mocidade”, biografia da agremiação lançada pela Editora Verso Brasil).

BERNARDO PESTANA, 31 anos.
(Engenheiro, torce pela Mocidade desde 1991, quando se encantou com o famoso carro alegórico do feto dentro do globo. Mesmo longe de Padre Miguel, frequenta e desfila na escola desde 2001, e foi participante da primeira torcida organizada, o Grupo Salve a Mocidade).

FÁBIO FABATO, 33 anos.
(Jornalista, escritor e comentarista de carnaval da Super Rádio Tupi e da TV Brasil. Autor da primeira biografia sobre a Mocidade, “As Três Irmãs – como um trio de penetras ‘arrombou a festa’” (editora Nova Terra), possui cinco livros publicados e já foi vice-presidente cultural da agremiação. Desfilou como componente de ala entre 1996 e 2010).

FLAVIO TEIXEIRA, 42 anos.
(Arquiteto e Urbanista, é vice-presidente da ala Oba Oba. Desfilante pela Mocidade desde 1987, começou na ala das crianças, assumindo o grupo em que atua até hoje no ano de 2007. Contabiliza 30 anos de Avenida com a Mocidade).

LIGIA MARGOTTO, 34 anos.
(Artista plástica e arte-educadora, acompanha a escola desde o início da década de 90. Já desfilou em ala em diversos anos e foi uma das fundadoras da primeira torcida organizada da agremiação, o Grupo Salve a Mocidade).

PEDRO SIMÕES, 29 anos.
(Economista e mestrando em estudos populacionais. Ė coordenador do prêmio Samba-Net e foi diretor cultural da Mocidade de 2012 a 2015. Independente apaixonado desde os seis anos de idade, passou a desfilar na escola a partir de 2006).

RENATO BUARQUE, 32 anos.
(Analista de sistemas, é o atual vice-presidente cultural da Mocidade Independente, onde atua desde 2011. Fez parte do Departamento de Marketing e Institucional, e é desfilante desde 2005).

RICA PERRONE, 37 anos.
(Jornalista com ampla atuação na área de esportes. Desenvolveu em 1997 o primeiro site que a agremiação teve, de forma voluntária e não oficial. Frequenta os desfiles desde 1997 e a escola desde que se mudou pro Rio, em 2011. Sua identificação no portal em que assina colunas de opinião é uma charge cuja camisa traz o símbolo da Mocidade).

RICARDO DIAS, 40 anos.
(Radialista, desfila na escola desde 1982. Sócio benemérito, Rick, como é conhecido, foi presidente da Estrelinha da Mocidade por sete anos e vice-presidente de departamento por oito carnavais).

SYLVIO PINHEIRO, 42 anos.
(Arquiteto, desfila na Mocidade desde os 13 anos de idade (1987), e de forma ininterrupta até hoje. Ou seja, são 30 anos de Avenida. É o presidente da ala Oba oba há 10 anos. Seus dois filhos já desfilam na escola de samba mirim Estrelinha da Mocidade).

VICENTE MAGNO, 39 anos.
(Nascido e criado entre Bangu e Padre Miguel, teve a Mocidade como definidora de identidade e caráter antes de se tornar jornalista e mestre em Comunicação e Cultura. Foi diretor de marketing em 2009 e diretor cultural da escola em 2010).

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